MULHERES EXTRAORDINÁRIAS
Actualizado: 6 de oct de 2020

Myrthes Gomes de Campos nasceu em Macaé, estado do Rio de Janeiro, no ano de 1875, foi alfabetizada no Liceu da cidade e com apoio da mãe (e protestos do pai), mudou-se para o Rio de Janeiro, à época, Distrito Federal, para cursar a Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro, se tornando bacharel no ano de 1898.
Para exercer a advocacia, Myrhtes teria que se associar ao IAB (Instituto dos Advogados do Brasil), inscrevendo-se, a princípio, como estagiária, seguindo o estatuto legal da época para recém-formados. Já nesse momento houve divergência institucional para sua admissão, pautada no seu gênero.
Com apoio de colegas de profissão, Myrthes continuou a luta para exercer a advocacia e em agosto de 1899 fazia sua estreia no Tribunal do Júri, impressionando a todos por conseguir a absolvição do acusado, principalmente pela notória competência do Promotor de Justiça que participava do caso. Aproveitou a ocasião, cuja repercussão social e midiática havia sido enorme, e se pronunciou sobre os obstáculos que estava enfrentando:
[...]. Envidarei, portanto, todos os esforços, afim de não rebaixar o nível da justiça, não comprometer os interesses do meu constituinte, nem deixar uma prova de incapacidade aos adversários da mulher como advogada. [...] Cada vez que penetrarmos no templo da justiça, exercendo a profissão de advogada, que é hoje acessível à mulher, em quase todas as partes do mundo civilizado, [...] devemos ter, pelo menos, a consciência da nossa responsabilidade, devemos aplicar todos os meios, para salvar a causa que nos tiver sido confiada. [...] Tudo nos faltará: talento, eloquência, e até erudição, mas nunca o sentimento de justiça; por isso, é de esperar que a intervenção da mulher no foro seja benéfica e moralizadora, em vez de prejudicial como pensam os portadores de antigos preconceitos. (O País, Rio de Janeiro, p. 2, 30 set. 1899)

Em 1906, Myrthes conseguiu sua filiação definitiva aos quadros da IAB, como advogada, com um placar de 23 votos favoráveis e 15 contrários ao seu ingresso.
Myrthes, ao longo de sua vida e carreira, lutou pela emancipação feminina, resistindo à pressão e conquistando espaços, dedicando-se também aos estudos jurídicos e ao jornalismo. Também lutou pela causa sufragista, não obtendo sucesso, uma vez que o direito ao voto foi reconhecido às mulheres apenas em 1932.
Apenas em 1954 uma mulher alçou o posto de magistrada, Thereza Grisólia Tang, se tornou a primeira juíza no Brasil, atuando em Santa Catarina. Isso, mais de 50 anos depois de Myrthes ter se tornado a primeira advogada mulher. E somente no ano 2000, uma mulher, Ellen Gracie, foi nomeada Ministra do Supremo Tribunal Federal do Brasil. Revelador o fato de que tiveram que construir banheiro feminino no prédio do STF após sua nomeação, uma vez que não era espaço pensado para mulheres frequentarem.

Importante ressaltar que até o momento falamos de mulheres brancas e de considerável poder aquisitivo, tendo em vista o acesso à instrução e formação universitária. Para mulheres negras, o acesso à educação formal em direito e aos cargos jurídicos foi mais árduo e tardio. Todavia, isso não significa que mulheres negras já não atuassem na luta por seus direitos. É o que reconheceu o Estado do Piauí ao conceder, em 2017, o título simbólico de primeira mulher advogada do Estado à Esperança Garcia, mulher negra, escravizada e que denunciava as violências sofridas, reivindicando por justiça. Já a primeira magistrada negra do Brasil, Mary de Aguiar Silva, tomou posse no cargo apenas em 1962.
Ainda há muito espaço a ser conquistado, muita luta até a igualdade, de gênero e de raça. Que possamos nos inspirar nas mulheres que vieram antes de nós e trilhar um caminho rumo à emancipação de todas.
REFERÊNCIAS:
https://pt-br.facebook.com/stjnoticias/videos/10154147653471852/
http://www.revistagenero.uff.br/index.php/revistagenero/article/viewFile/85/62
http://www.tjrj.jus.br/web/guest/institucional/museu/curiosidades/no-bau/myrthes-gomes-campos

Cristiane Duarte
Advogada feminista, atuante na área de direito de família e na defesa dos direitos das mulheres.